Por razões várias, o desenvolvimento duma prática fotográfica próxima dos exemplos de Cartier-Bresson, de Robert Doisneau, de André Kertész ou de Brassaï, apesar de almejada por alguns, nunca verdadeiramente se solidificou no Portugal do Estado Novo (e até mesmo posteriormente).
Uma fotografia humanista próxima do indivíduo, ligada quer aos prazeres da vida, quer às dificuldades sociais, esbarrava por um lado, num caldo cultural ensimesmado, avesso a modernismos e experimentalismos, tendendo para os rastos do naturalismo e simbolismo, que do século XIX pictórico se transferiram para o Pictorialismo fotográfico dominante. Por outro lado, a censura oficial que fazia tropeçar tentações realistas era acompanhada por um povo que desconfiava, que não se deixava fotografar com facilidade e naturalidade (por portugueses, pelo menos, dado que perante fotógrafos estrangeiros parecia haver toda uma outra tolerância – veja-se a belíssima imagem de 1954 dos miúdos de Olhão, de Sabine Weiss).
É impressionante o relato de Gérard Castello-Lopes, um dos autores que remava então contra o marasmo, de como o acto de fotografar passava fácil e rapidamente para recepção de insultos e a intervenção da polícia.
Por isso, não se estranha que, com algumas excepções (Artur Pastor, por exemplo, consegue alguns cativantes instantâneos), grande parte da fotografia portuguesa apresente uma certa distância defensiva. Por vezes literal (Jorge Guerra fez da teleobjetiva um mecanismo de invisibilidade), mas sobretudo compositiva e temática.
A proximidade ao indivíduo era preterida, de forma inconsciente ou assumida, pelo afastamento, pelo grupo distante, por um olhar de viés, furtivo. Ao documental sobrepunha-se o metafórico.
Olhando-se muita da fotografia portuguesa do século XX, deparamo-nos com frequência com um inesperadamente cativante universo visual. Cruzamo-nos com um território de ruas semi-vazias, figuras de costas, personagens fugazes, por vezes semi-ocultas, e a espaços fitando o fotógrafo.

Um país de espectros, de segredos e de medos.
Texto e selecção de imagem: Não me mexam nos JPEGs / Júlio Assis Ribeiro