O centenário do nascimento do fotógrafo Artur Pastor ficará assinalado, ao que tudo indica, pela exposição comemorativa em Alter do Chão, a sua terra natal, que decorre desde 5 de Novembro e que deverá encerrar ao público a 22 de Janeiro próximo, e pelo lançamento do livro “Artur Pastor | Portugal país de contrastes”, publicado pela Majericon, uma pequena e, arrisque-se dizê-lo, corajosa editora que avançou para esta edição ambiciosa e cuidada.
Diz-nos a sua nota de imprensa que a “publicação que assinala o centenário do nascimento de Artur Pastor visa dar a conhecer a obra deste fotógrafo ímpar e a sua visão de Portugal, um país desaparecido e alterado na memória dos mais novos, mas refletindo um passado presente para os que o viveram. (…) Este roteiro fotográfico agora disponível, resulta de um trabalho de parceria desenvolvido ao longo de dois anos entre o Arquivo Fotográfico e a editora Majericon, com o objetivo de selecionar e trazer a público um conjunto de imagens representativas do país visto por Artur Pastor – o qual ele próprio denominou como, “Portugal, um país de contrastes”. Tomando como ponto de partida o texto ‘Portugal um país de contrastes’, escrito por Artur Pastor em abril de 1954 para a revista Portugal Ilustrado, e o seu testemunho “Portugal não se visita apenas com o olhar porque se sente, também, com o coração”, este livro constitui-se como um roteiro fotográfico sobre o legado deixado pelo fotógrafo Artur Pastor, evocando o seu desassossego ambivalente, em torno da escrita e da fotografia, do litoral e do interior ou da ruralidade e da modernidade.”
O livros constrói-se em torno de uma selecção de cerca de 250 fotografias a preto e branco, datadas entre 1940 e 1974, e de quatro textos, sendo um o referido na nota, de autoria do próprio fotógrafo, e que dá título ao livro. Dois dos restantes, são textos de apresentação, a cargo do editor, Fernando Vieiras, e da responsável do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, Isabel Corda. O quarto, de Paula Figueiredo, do Arquivo Municipal de Lisboa, é um texto de maior descrição e contextualização do trabalho de Artur Pastor que sintetiza trabalhos anteriores de diversos autores, publicados em edição conjunta de 2021, da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Câmara Municipal de Lisboa (esgotado ou, pelo menos, muito difícil de encontrar). Neste, é feita uma caracterização acertada que nos apresenta a obra de Artur simultaneamente inserida na chamada Fotografia Humanista do período do pós-guerra, e no contexto muito específico da fotografia portuguesa, com códigos estéticos marcados por uma tradição de encenação e de pitoresco, e por modos de exposição, aceitação e fruição muito marcados pelo Salonismo. Uma obra plural, volumosa, marcada por pulsões compositivas, documentais e humanistas, que lhe dão um estatuto muito particular na fotografia portuguesa. Se, parte da sua obra, se situa no melhor que é possível observar no contexto mais tradicional da fotografia amadora portuguesa do período, a restante ultrapassa largamente esses constrangimentos com registos marcantes e quase sistemáticos da realidade rural, urbana, material e laboral da sociedade e do território na segunda metade do século passado.
As imagens da presente selecção não abrangem toda a obra de Artur Pastor, excluindo à partida a sua fotografia a cores, e o trabalho posterior a 1974. Outros aspectos do seu trabalho, à margem da temática documental e ‘identitária’ (que é o fulcro do presente livro), como alguns raros e curiosos exercícios de um modernismo estilizado de “tipo deco” ou as suas composições de espécimenes agrícolas, ou não são abordados na seleção, ou são-no apenas pontualmente.


Da selecção publicada, pode dizer-se (como é natural em selecções) que há fotografias importantes que a ela escaparam, mas que há igualmente a surpresa de conter imagens eventualmente menos conhecidas, e particularmente interessantes, como a da venda de gado na Feira de Montalegre, da página 148.


Globalmente, “Artur Pastor | Portugal país de contrastes” é uma edição importante para apresentação da obra de Artur Pastor a um público alargado, em contexto de comemoração do centenário, cuidada e colocada no mercado a um preço bastante razoável.
Um livro cuja aquisição é altamente recomendável e que, dada a tiragem relativamente reduzida (3000 exemplares), o interesse crescente pelo trabalho do fotógrafo e o historial da referida publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Câmara Municipal de Lisboa, parece estar destinado a esgotar brevemente.







Para rematar, “a talho de foice”, e porque sugerir não tem custos, aproveitando a leva do centenário de Artur Pastor, seria bastante interessante alguém pensar na edição fac-similada de “Nazaré” e “Algarve”, obras publicadas em vida pelo fotógrafo, e exemplos raros de livros fotográficos editados em Portugal nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado.