Ralph Crane, Teste de veículo monocarril, Colónia, RFA, 1952
18 de Fevereiro, 2020
Um dos paradoxos mais interessantes da fotografia é o dos produtos desta, apesar da sua relação directa com a realidade, não serem necessariamente transmissores da verdade.
A fotografia é sempre uma construção, em que se define o instante e o modo como se extraí uma pequena parcela da realidade. A sua relação com o todo pode ser bastante equívoca.
Mesmo sem o recurso a encenações e a montagens, a fotografia pode construir percepções bastante afastadas dos factos.
Um outro paradoxo, próximo deste, é o da fotografia poder construir imagens, que sendo “verdadeiras”, parecem ser inverosímeis.
Uma fotografia realizada com o puro propósito de registo, com um olhar intencionalmente neutro, pode, por um acaso de ângulo, de instante, ou tão simplesmente pela estranheza introduzida pela distância temporal, ser fortemente percepcionada como uma fabricação.
O autor desta coisa nasceu abaixo da linha do Equador, nos últimos anos dessa ficção pouco científica que foi o Império Português. Depois, com quatro anos e qualquer coisa, viu-se nesta estranha terra europeia. Por algum tempo sentiu, através dos pais, uma sensação de deslocamento. Curou-a com livros do Patinhas e do Astérix, documentários da televisão e caçadas ao pássaro. Sofreu do desejo de fazer banda desenhada. Não tinha talento, mas consumiu e copiou tudo que viu.
Foi cursar artes para Faro, nesse tempo sem Internet e em que as bibliotecas tinham todas os mesmos cinco livros de arte. O livro do Janson , da Gulbenkian, tinha um capítulo sobre Fotografia. O pai duma amiga tinha uma Yashica . Fotografaram com ela, mas esta tinha de regressar sempre à casa da amiga. Comprou, com o que ganhou nesse verão, uma Praktica. Ainda a tem.
Conseguiu iludir os professores o suficiente para entrar nas Belas-Artes. Continuou a não ter talento, mas aproveitou imenso. Acabou o curso. Deu aulas. Trabalhou em design. Casou. Tem dois filhos. Continua a ensinar o pouco que sabe. Gosta disso. Gosta de histórias. E gosta de escrever estes disparates.